Essa é uma edição mensal só para colaboradores, que vai falar do processo de criação do meu próximo romance à medida que ele se desenrola.
1.
Rio de Janeiro. Em um apartamento no Jardim Botânico, minha tia-avó, que havia décadas trocara a cama pelas noites em uma poltrona, espalhou dúzias de velhas fotografias sobre a mesa. Eram fotos tiradas nos anos cinquenta em Alexandria, Egito, e eu imediatamente senti aquela lufada de significados profundos que as fotos de outros tempos parecem sempre carregar. Como escreveu Susan Sontag: “Os atributos e os intuitos específicos das fotos tendem a ser engolidos pelo páthos generalizado do tempo pretérito”. As imagens espalhadas na mesa eram quase todas da família. Casamentos, crianças, homens em suas melhores roupas, os sorrisos contidos das mulheres de outras gerações. Mas havia uma foto de um grupo de amigos vestidos para uma festa à fantasia. Cinco ou seis pessoas de vinte e poucos anos, minha tia-avó entre elas. Agora não consigo lembrar do que ela estava fantasiada, não consigo lembrar do que os outros estavam fantasiados, exceto um tal de Philip Natanson. Natanson vestido de marinheiro, isso com certeza. “Em 1954”, ela contou no apartamento do Jardim Botânico, o sotaque francês carregado, “Philip tentou colocar uma bomba no cinema Rio, em Alexandria. A bomba explodiu no bolso dele.” Philip Natanson, o amigo da minha tia-avó, era um espião de Israel em uma missão de bandeira falsa.
2.
Foi em 2014 que eu vi essa foto. Naquela época, eu tinha um projeto de fazer uma graphic novel sobre minha família materna, e meus avós não estavam mais vivos para responder minhas perguntas, o que aparentemente acontece com frequência: avós que não falam do passado, netos que demoram tempo demais para perguntar.