Essa é uma edição mensal só para colaboradores, que vai falar do processo de criação do meu próximo romance à medida que ele se desenrola.
Por um momento, vejo o romance como uma maçaroca escura da qual preciso me aproximar pelas bordas. Andar em círculos tateando as bordas. É engraçado pensar no romance como algo que já está lá e deve ser descoberto, em vez de algo que vou construir pedra sobre pedra, mas essa é a imagem que me vem agora, talvez porque ele já seja mesmo alguma coisa, considerando meus processos mentais e o tanto de realidade que deve haver nele. Mas ainda é uma coisa disforme que precisa ganhar a cara de uma história. No último mês, fiquei pouco em casa, de maneira que o projeto avançou fora do meu escritório e das caminhadas na floresta e ao longo do Pacífico cinzento de inverno. Avançou no meio de um turbilhão emocional no sul do Brasil. Conversei com algumas pessoas – a fase esponja a que me referi na edição anterior – e tive uma ideia de estrutura; fui para Cascavel e confirmei que a história do lugar carrega vários elementos que me interessam explorar no livro; reli o primeiro volume do Quarteto de Alexandria, e fiquei pensando se a Alexandria de Durell foi realmente a Alexandria do Entre Guerras, ou se o livro é mais interessante do que a realidade. Mas o quanto isso, no fim das contas, realmente importa?
1. Uma ideia
Saio para minha corrida numa manhã porto-alegrense que promete um calor explosivo. Desde que comecei a correr, recebo meus treinos de uma instrutora. Às vezes, além do meu corpo, esses treinos acabam exigindo toda a minha cabeça, pois é preciso cuidar no relógio a frequência cardíaca, o pace, a distância, alternar o ritmo de tantos em tantos minutos, marcar um novo segmento, e mais outro, e mais outro. Outras vezes, a coisa é felizmente mais direta, como nessa manhã de abafamento cataclísmico: correr por cinquenta minutos, FC máxima 165. São esses treinos sem muitas firulas os que me fazem chegar mais perto da sensação que tenho quando caminho, embora eu ainda acredite que a frequência cardíaca de uma caminhada – e a velocidade que passamos pelas coisas quando estamos andando – seja muito mais adequada para se ter ideias.
Mas o que acontece nessa corrida é que eu tenho uma ideia.