O caderno amarelo
Cortiça em ação; os parágrafos que descartei; conversa sobre processo criativo com Giovana Madalosso em julho.
Essa é uma edição mensal só para colaboradores, que vai falar do processo de criação do meu próximo romance à medida que ele se desenrola.
Nunca tinha visto tantas árvores na vida. Já disse algumas vezes essa frase em entrevistas e bate-papos, momentos depois de alguém me perguntar por que me mudei para Mendocino, uma cidade de mil habitantes em uma região remota da costa da Califórnia. Disse na inocência, porque é verdade: o impacto de ver esses paredões verdes de coníferas apontadas para o céu foi descomunal e, depois disso, nada ia ser como antes.
Na semana passada, assisti a um documentário que tecia comparações entre O Mágico de Oz e a obra de David Lynch. E, de repente, lá estava uma cena do primeiro episódio de Twin Peaks em que o agente Dale Cooper, aproximando-se da cidade fictícia que fica no real estado de Washington, diz ao seu famoso gravador: nunca vi tantas árvores na minha vida. Cheguei a me arrepiar com aquilo.
Será que, desde os treze anos, momento em que vi a série pela primeira vez, eu passei inconsciente e incansavelmente a procurar a minha Twin Peaks?
E adicione aí mais um fato pessoal: meu avô envolvido em um processo histórico de desmatamento no sul do Brasil.
Não escolhemos nossos temas. São os temas que nos escolhem.
Twin Peaks talvez seja para mim o que o Mágico de Oz foi para Lynch.
E qual é o seu Mágico de Oz? O que são as suas recorrentes cortinas de veludo?
1. Um passo na estrutura
Finalmente sacudi o pó do meu mural de cortiça e tirei os papéis coloridos e as tachinhas da gaveta. Defini os “blocos” da minha narrativa com os respectivos anos e cenários de cada um. Quando faço um esquema de estrutura de romance, costumo dividir a narrativa em blocos – ou partes, chame como quiser – que, por sua vez, serão divididos em partezinhas menores. No início, é difícil enxergar essas unidades pequenas, de maneira que a tendência é eu ter algum nível de detalhamento do início da narrativa, mas um completo vazio depois disso.