O Caderno Amarelo #9
Personagens que surgem; Rachel Kushner e a influência; revendo minha estrutura
Essa é uma edição só para colaboradores, que fala sobre criação literária, acompanhando o processo de escrita do meu próximo romance. Se você não é assinante pago, vai encontrar o antipático Paywall em algum momento aí embaixo. Perdão, mas os artistas precisam manter a sua lojinha! Na próxima semana, seguimos com a programação aberta.
Tenho uma amiga que cresceu em uma comunidade que talvez você possa chamar de seita. Eu, internamente, chamo. Tem cara de seita e cheiro de seita. Essa comunidade religiosa, que eu não vou nomear, funciona desde os anos sessenta em um edifício de habitações populares no centro de uma grande cidade americana, que eu também não vou nomear e, considerando sua longevidade, você pode imaginar que nenhuma grande tragédia aconteceu ali; nenhum líder carismático fez todo mundo tomar um suquinho envenenado, ninguém pôs em marcha assassinatos brutais de gente rica e bonita que marcariam o fim de uma era. O troço ainda existe, no centro dessa cidade. Os pais da minha amiga vivem lá até hoje. Ninguém pegou em armas ou cravou que o fim do mundo ia ser dia tal e então se preparou para isso de uma forma esquisita. Talvez a comunidade não rendesse um documentário. A tragédia ali não tem muito potencial visual, é privada e, além disso, se espalha no tempo. A tragédia é que a seita privou minha amiga de histórias. Minha amiga e todas as outras pessoas que viveram lá. E, quando falo de histórias, estou falando das pessoais e das ficcionais. Minha amiga era proibida de viver suas próprias histórias e de assistir ou ler as histórias dos outros.